terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Na multidão

para acreditar na dança
dançar como dança a folha
meu navegar no vento
é tão incerto, tão irregular
minha remada, meu prumo
nada quer de sins, de nãos, 
quer só largar a linha, se soltar

já não sou o que acreditava
nem barco de papel, nem vela,
nem homem, nem arraia do ar
sem patentes, responsas,
mãos de tesoura para podar
sou vau de travessia fácil
todo ser, tod'alma, mar.


Borboleteios



a criança se aproxima
batuca na mesa, fala, 
conta-me das suas despertações.


(pousa, dona do seu canto, depois voa)

vai criançando, vai,
volteia, bailarina, volta, 
pousa outra vez

traz agora uma pedra colhida no caminho, 
mostra-me, mãos em concha,
como se a me convidar para a dança

(pára, dona do se mundo, cala-me)

por dentro, 
crianço-me com sua doce performance.


(Edson de França)

terça-feira, 7 de maio de 2013

Andarilho em prosa





 
Tenho escrito minha história sem lápis. Não uso da palavra escrita. Há tempos também esqueci os vocábulos que me permitiam interlóquios. Narro meus passos, escrevo, com a insistência dos meus pés em prosseguir. “Prá onde vais¿” – pergunta-me assaz o vento, a ave agourenta, o curioso. Respondo por dentro, só de birra – “Aonde a palma dos pés levar!”. Minha passada chora com o chão, imprime marcas. Minha história. Siga-me. Quando paro, permito ao mundo onomatopaicas bizarras, palavras rotas, expressões podres. Quem me ouve rsrsrsrsr se dividem em opiniões. Alguns loucos me lêem gênio; religiosos, a encarnação decadente de um avatar. Os comuns como bêbado de soleira de bar. Digo-lhes, sem abrir-lhes os olhos. “Sou vocês”, e saio. A estrada um dia há de me absolver. Só ela...

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Natal

Chegara a idade adulta. Não discutamos aqui a quantidade de anos acumulados. Que eles estavam bem expressos, esparramados pela face, não havia como esconder. Todos viam e riam e riam. Os olhos a que tudo tinham visto de uma vida comum, viram a a árvore. Piscaram incrédulos, piscaram e entraram numa estranha sintonia. Era mágico e patético. O homem descobrira o menino dentro.